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Todas as manhãs, antes de sair, Alice, de 44 anos, olhava-se ao espelho.
- Que gorda!
- Que despenteada!
- Que velha!
- Que olheiras!
- Que mal-vestida!
- Que pálida!
- Que...
Numa dessas manhãs, tudo mudou. Ia sentada no metro para o trabalho, consultava as redes sociais e sonhava com as férias. A conversa de duas senhoras de cerca de 60 anos, bem-vestidas, ao seu lado, chamou-lhe a atenção:
- Sabes, Lídia, deitei fora o espelho lá de casa. Estava farta dos palpites dele: "olha as rugas", "olha os sinais", "já foste mais nova"...
- Mas tu estás bem, Paula? Os espelhos não falam...
- O meu fala (ou falava), que Deus o tenha!
- Tens tomado a medicação?
- Até disso deixei de precisar... Sabes, é uma metáfora...
- Eu sei, mas explica-me lá isso...
- Percebi que eu era a minha maior crítica: não ouvia nada de mal dos meus netos, dos meus filhos, nem do chatinho do meu Zé. Era eu, que me boicotava... Sempre a criticar-me e a desconfiar dos elogios se eu só me encontrava defeitos.
- E vai daí, livras-te do espelho?
- Tal e qual... E digo-te uma coisa, ao fim de três semanas já estou muito mais feliz!
- Vamos lá tirar uma selfie, então, para comemorar! Se não, qualquer dia, já nem te reconheces...
- Só se tiveres daqueles filtros que parecemos uma divas... ou uns cães...
Riram-se às gargalhadas e Alice (com muita pena) teve que sair, chegara ao seu destino.
Durante todo o dia, a conversa das duas mulheres deu-lhe que pensar...
Quando acordou, no dia seguinte, resolveu partir o espelho. O marido acordou sobressaltado com o barulho.
- Alice, que se passa? Magoaste-te?
- Não, Filipe, resolvi partir o espelho... Estava farta de o ouvir...
- Deves ter tido um pesadelo... O espelho não fala. Pior: dizem que dá azar, partir espelhos!
- Não sou supersticiosa. Além disso, em vez de me ver ao espelho, prefiro perguntar a ti o que vês, aos miúdos... Quanto muito, vou-me vendo pelas fotos ou nas vidraças.
O marido de Alice achou aquilo muito estranho e que passados 2 ou 3 dias ela iria colocar um espelho novo. Mas não, enganou-se. Passaram-se meses e o espelho continua rachado. A imagem que ele mostra é artística. Perfeito na sua imperfeição. Tal com Alice. Tal como todas as mulheres. Ou quase todas, porque algumas vivem atrás do espelho. E são elas quem mais critica as outras mulheres. Humilham-nas, sempre que podem. Chamam-lhes "magras", "gordas", "baixas", "altas", "descaradas", "velhas", "sem sal", "feias", "claras", "escuras"; desajeitadas", enfim, o rol é extenso.
Por isso, temos que partir os espelhos. Não é preciso irmos buscar os martelos. Podemos simplesmente ignorá-los. E isto significa que basta aceitarmos a nossa imperfeição e não ouvirmos as vozes atrás do espelho.
E este, sim, é o verdadeiro conto de fadas. Não aquele em que um espelho diz quem é a mais bonita do reino. É aquele em que a mulher enfrenta o espelho de frente, sem medos: "Eu sou como sou, linda por dentro e por fora, a opinião dos outros não me interessa".