Ângela tem 41 anos, dois filhos, é casada. Quando a filha mais velha entrou na universidade, resolveu voltar a estudar. Como estava desempregada, para ajudar nas despesas, ficou a trabalhar em part-time na secção de limpeza da universidade da filha. Foi a vaga mais fácil: os mais novos não queriam esse tipo de “trabalho sujo”, preferiam ficar na biblioteca, na reprografia ou, na pior das hipóteses, nos bares ou nas cantinas.
Aparenta ser mais jovem, é magra, veste-se de forma jovial, num estilo hippie, algumas trancinhas no cabelo, pulseiras em couro, e sempre muitas flores, na roupa, nos brincos e até na tatuagem que fez quando a filha nasceu, em forma de amor-perfeito. Quando está a trabalhar, toda esta cor fica escondida por debaixo de uma feia e fria bata branca e o cabelo é preso com um elástico.
Não se importa com o trabalho que arranjou, porque, para ela, não há trabalhos menores: tudo depende da atitude de quem os executa. E ela coloca tanto empenho e carinho naquele serviço como nos estudos no curso de Psicologia, nos quadros que pinta, nos cozinhados que faz para a família, no voluntariado que faz uma vez por semana no hospital.
Sempre fora assim: dedicada e generosa. Quando fez 18 anos, começou a vender na rua os quadros que pintava e a desenhar alguns retratos. Foi assim que conheceu o marido, músico de rua. Quando o relacionamento ficou sério, resolveram viver juntos e arranjar um trabalho mais estável. O marido ainda conseguiu emprego como técnico de som num bar, embora mal pago era certinho, mas Ângela fez um pouco de tudo: foi ajudante de cabeleireira, lavou pratos em restaurantes, trabalhou num quiosque, numa frutaria.
Nunca deixou o amor pela pintura e foi precisamente depois ter estado a pintar, numa tarde de sábado, enquanto a filha a ajudava a limpar os pincéis e as aguarelas, que percebeu que ela estava doente. Não era uma doença evidente, mas Ângela sabia-a doente. O brilho no olhar parecia sumido. Dizia estar sempre cansada. Tinha deixado há semanas de ir correr, algo que sempre adorara. Deixou de sair com as amigas e até de as levar lá a casa. Na escola, continuava a ser uma aluna brilhante, com média de 18 valores. O médico receitou-lhe vitaminas.
Ângela pressentia que o problema não se ia resolver com vitaminas. E a sua intuição de mãe estava certa. Depois de várias consultas médicas, soube que a filha tinha uma perturbação grave de ansiedade, que a levara a isolar-se e a entrar em depressão. Ângela passou de uma fase em que se culpava, para outra fase de revolta, seguindo-se a luta. Foi sozinha ao médico e à psicóloga para fazer perguntas, pesquisou sobre o assunto na biblioteca e na Internet. Até resolveu tirar o curso de Psicologia, para a poder compreender e ajudar mais.