A máquina (capítulo I)
O perigo de parar era maior do que se pensava. Os cálculos da medicina e da matemática não previram tudo. Não consultaram filósofos. E estes, ai estes, teriam alertado para o grande final.
Não havia grandes erros nos números de doentes e mortos, nem no cenário de crise económica sem precedentes. Mas a dúvida filosófica que se alastrara de meia dúzia para vários milhares não entrara nas contas.
Antes da grande paragem, eram poucos aqueles que questionavam a rotina. Não eram, eles mesmos, mecanismos de uma engrenagem em constante funcionamento? Mas tiveram que parar. E começaram a ver as coisas do lado de fora.
Perceberam a máquina. Viram que os encaixes não eram perfeitos. Que lhes doía aqui e ali. Que alguns elementos da máquina eram totalmente inúteis. Que outras peças eram vitais. Que a máquina podia ser mais simples. Por fim, viram que a máquina não era uma máquina. Era a vida deles.
A revolução começou. A ela se juntaram-se artistas, cientistas, médicos, poetas, crianças, velhos e loucos. Não houve guerra, mas também não houve flores. Houve amor.
(continua)