Máquina do tempo
"Se as palavras me prenderam a ti, só as palavras me podem libertar", declaro com toda a convicção.
Faço um esforço. Volto atrás no tempo. Reaprendo a escrever. No computador? Nem pensar. Na máquina de escrever.
(ao fundo, parece-me ouvir o som da máquina de escrever que a minha avó Ana usava para passar os textos do meu avô António)
Mas escrever é um vício em mim, ele mesmo cheio de vícios. Devagar, começo a procurar ver as palavras, mais do que as sentir.
Sentir, sempre o sentir. A mais, demais, sem mais nem menos, cada vez mais...
Faço um esforço e começo a ver para além das letras que se acomodam onde quero. Encontro uma cena. Um som. Um plano. Uma música. Um olhar. Uma voz. Um toque. Um diálogo. Um suspiro. Uma tatuagem (ou seriam duas?).
Não te vejo. Vejo-te. És tu. Sempre tu.
Quando escrevo, escrevo-te, escrevo-me. E perco-me, uma e outra vez.